Hoje lembrei das histórias que meu pai contava...
Ao anoitecer, o velho Nino pegava seu acordeon, eu, meus irmão, primos e vizinhos, dançávamos, rodopiávamos, até ficarmos tontos, então sentávamos na calçada da frente de minha casa e ele nos contava histórias, algumas talvez fossem invenções de sua parte (e como ele inventava), mas uma em especial, me chamava atenção e sempre lhe pedia para repetir, era a história de nossos antepassados (Indios Xokleng) , do Genocídio dos Bugres, o qual meu bisavô ou tataravô, não tenho certeza, foi um dos sobreviventes.Pesquisando, descobri que essa história que pensava ser mais uma imaginação da mente de meu pai, realmente aconteceu e que faz parte da história de Santa Catarina.
Relato sobre o genocídio dos bugres de Nova Veneza http://www.portalveneza.com.br/historia.php
Este chão que nossas famílias batizaram de Nuova Venezzia, no final do século passado possuía a magnitude da natureza virgem empolgante e pomposa. O Rio Mãe Luzia rasgava o chão com suas águas cristalinas repletas de peixes. A música selvagem da floresta com seus uivos, pios e alaridos impregnavam paz e misticismo em qualquer alma que ali pairasse.
Semi nus, bronzeados e em harmonia viviam às margens dos rios varando a floresta. Refiro-me aos verdadeiros filhos de Nova Veneza, os índios da raça Xokleng, conhecida como "bugres".
Os Bugres subiam a serra donde traziam o pinhão em balaios de bambu, depois, o armazenavam na gélida água corrente dos costões. Além do pinhão, extraiam o mel do qual faziam licores e cuja cera utilizavam para vedar cestos de carregar água e alimentos. Se alimentavam do palmito, frutos e principalmente da caça. Por exemplo, a anta preparavam colocando-a num buraco sob uma fina camada de terra e folhas, depois acendiam uma fogueira. Horas depois a retiravam e era repartida igualmente entre todos.
Da fibra da urtiga fabricavam as cordas dos arcos e teciam mantas para proteger as crianças e mulheres do frio. O barro, após ser especialmente temperado (tecnologia perdida), era moldado em forma de panelas. Suas ferramentas e utensílios, bem como as pontas das flechas e lanças eram confeccionadas em pedra ou madeira, já que não conheciam o beneficiamento dos metais.
A vida familiar dos bugres é pouco conhecida. Sabe-se, por narrativas de caçadores e bugreiros, que as mulheres tinham forte afeto por seus filhos e que quando sentadas cruzavam as pernas com recato. As mesmas pernas que inutilmente recusavam abrir aos assassinos: católicos italianos.
Os bugres eram fortes e ágeis. Podiam carregar uma anta nas costas por quilômetros. Na floresta se locamoviam rápida e silenciosamente. Podiam acertar, com seus arcos, alvos a mais de cinqüenta metros.
Quando os italianos e alemães chegaram a Santa Catarina, a fama do homem branco já era conhecida pelos bugres por meio dos portugueses do litoral. Talvez por isso pouco se mostravam aos imigrantes. Nessa época (meados de 1880) já tinham suas vidas modificadas, pois matas já haviam sido derrubadas e sua cultura sofria influências dos costumes e tecnologias dos brancos que freqüentemente eram observados pelos bugres escondidos nas orlas das florestas.
Com a chegada de mais italianos a situação foi se agravando. Os bugres viam suas matas caindo e seus recantos de natureza virgem rarear. Foram sendo progressivamente confinados nas costas da serra que não podiam subir devido à hostilidade dos fazendeiros de gado.
Os imigrantes, movidos pelo terror, atacavam antes de tentar uma aproximação amistosa. Nunca houve tentativas de contato amigável, exceto a do Frei Luiz, que foi frustrada em função dos ressentimentos até então já criados.
A Companhia Metropolitana financiava a implantação de novas colônias e os bravos imigrantes, sem alternativa, nada tinham a fazer além de obedecer a lei da selva: "o mais forte devora o mais fraco".
Os bugres, desesperados, começaram a atacar os ranchos dos colonos, com o intiuito de intimidar os destruidores da floresta e também de saquear os preciosos alimentos e utensílios do branco. Infelizmente, talvez por vingança, assassinavam freqüentemente mulheres e crianças.
O clima ficava cada vez mais pesado e os colonos apoiados e incentivados pelo Companhia Metropolitana, começaram a organizar expedições para afugentar os selvagens. Tais excursões, na realidade, constituiam-se em chacinas premeditadas e eram geralmente lideradas pelo agrimensor italiano Natal Coral.
Natal Coral jurara vingar a morte de seu amigo Giovanni Baldessar. Fontes respeitáveis, inclusive o livro sobre a imigrição italiana de autoria do Monsenhor Agenor Neves Marques, revelam um fato de grande polêmica: Os bugres, com o intuito de desmoralizar o bugreiro Natal, raptaram sua mulher e nela plantaram a semente de sua raça. Anos depois a devolveram sã, salva e grávida.
Natal coral era audacioso caçador. Sua casa sempre ornada de couros de onças e dentes de feras, era o atestado de que conhecia a mata e sabia galgá-la. Ele atendia, com um prazer até compreeensível, a incumbência de "caçar" os bugres.
No alto do morro onde hoje se localiza o Hospital São Marcos, se erguia altaneira e majestosa a sede da Companhia Metropolitana e residência de seu Diretor, Miguel Napoli. A mansão parecia um castelo e a escadaria de ascesso era toda de mármore carrara. O jardim descia desde a colina até a planície. Foi ali que Natal Coral, após localizar um grande acampamento de bugres pelos atalhos de Sant'Ana em direção à serra, combinou com Napoli o pagamento de dois mil réis por orelha de bugre. Natal mais duzentos homens foram à caça. Na madrugada, após grande festa, os índios caíram em sono profundo. Sono do qual jamais acordaram...
"Due malle", duzentas orelhas de homens, mulheres e crianças. Miguel Napoli, temendo as autoridades governamentais, recusou-se a ver o produto da chacina e fez com que todos se calasem. Todos se aquietaram, todos, menos os bugres.
As fechas vigativas sibilavam o ar agora mais freqüentemente. Mas as flechas eram mui penosamente fabricadas e os bugres, talvez por motivos religiosos, não guerreavam à noite. Diante desses ataques, os italianos tinham bons motivos para matar os índios. A extinção estava então desenhada pelo destino e provavelmente por mais alguém.
A última matança de que se tem notícia aconteceu no Morro Redondo, na localidade veneziana de São Bento Alto. De lá capturou-se um casal de bugrinhos. A menina vivia com a família Nuernberg, já cantava e rezava em alemão, quando ao secar-se a uma fogueira queimou-se morrendo depois pelas infecções. O menino foi adotado por um juiz da cidade de Araranguá, mas contraiu sarampo e também morreu. O único bugrinho capturado que sobreviveu foi adotado pela família Rufino e posteriormente viveu na fazenda da família Savio, no Costão da Serra, território da antiga Nova Beluno, hoje Siderópolis.
Todos os outros bugrinhos aqui capturados morreram. Há um certo constrangimento nas faces dos que contam as mortes dessas crianças. Mortes quase sempre de forma trágica em acidentes horríveis, como escorregar e cair dentro de um tacho fervente ou ser engolido por uma moenda de cana-de-açúcar.
É justo e triste salientar que o preconceito racista era dominante na época e que os bugres eram considerados animais.
Que essa gente cruelmente violentada e assassinada aceite o arrependimento dos descendentes dos genocidas e que descansem na paz de Deus.
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